SP: O desespero de chefs e donos de bares com as novas regras do setor
Em resposta ao recrudescimento da pandemia em São Paulo, o governo estadual anunciou novas medidas na última sexta (11) que passaram a vigorar no dia seguinte. Para restaurantes e bares foi um banho de água fria. Os primeiros continuam liberados para funcionar até as 22 horas, mas devem interromper a venda de bebida alcoólica às 20 horas. É o horário no qual os bares agora precisam fechar as portas. As novas imposições valem por 30 dias, no mínimo, e para todo o estado, que agora se encontra, integralmente, na fase amarela no plano de reabertura. Com elas o governo de João Doria (PSDB) espera que diminuam as aglomerações promovidas por jovens, responsáveis, acredita-se, pela nova alta de casos de coronavírus.
De acordo com a Exame, a gritaria de empresários do setor gastronômico, que precisaram engolir longos meses de portas fechadas, além de protocolos que limitam o faturamento, foi imediata. “Já não bastasse a discussão tão insana em relação aos horários agora temos mais essa ‘insanidade’”, escreveu, eu sua conta no Instagram, o restaurateur Edrey Momo, dono da Tasca da Esquina e da Padaria da Esquina, entre outros empreendimentos festejados. “A ‘lei seca’ do nosso governador terá provavelmente o mesmo efeito da lei seca dos anos 20 nos EUA. Efeito contrário ao que se propõe. Teremos mais festas clandestinas, mais reuniões em casas, mais comércio ilegal de bebidas e obviamente mais contágio”.
Momo foi além em seu desabafo, que parece estar viralizando: “O trabalho de um governo ou de qualquer legislador é entender a aplicabilidade da lei antes de criá-la. As consequências serão óbvias: prejudica o comércio legal, que segue protocolos de segurança e recolhimento de impostos e beneficia o ilegal, o clandestino e a informalidade. Acreditar que as pessoas nessa época vão deixar de beber e de confraternizar depois de um ano tão difícil é querer que o Papai Noel desça pela chaminé”.
Concluiu o post da seguinte maneira: “O papel de um estadista é algo como o discurso de Angela Merkel pedindo conscientização em relação ao distanciamento, frequência de lugares e o ‘ficar em casa’. Conscientizar é mais importante que punir. Sei que os puritanos irão gritar que tem os negacionistas que precisam de leis mas como diria Salvador Allende – ‘não basta que todos sejam iguais perante a lei, é preciso que a lei seja igual perante a todos’”.
Para os bares, na prática, as novas regras equivalem a uma senhora facada – angariar clientes antes das 20 horas não é tarefa fácil. Para os restaurantes sobram dúvidas a respeito de como implementar o que passou a vigorar. Ontem, em um restaurante próximo da Rua Augusta, no centro de São Paulo, a reportagem testemunhou o desespero dos garçons para tirar todas as garrafas de cerveja de todas as mesas quando o relógio ainda marcava 19h45. Não admitiam nem que copos com a bebida fossem mantidos à vista. “Vocês precisam virar”, determinou um garçom a um despreocupado cliente.
Já o Charles Edward, no Itaim, que se apresenta como o melhor bar de paquera de São Paulo, escreveu no mesmo dia na conta da casa no Instagram: “Cheguem cedo pois infelizmente fomos limitados a vender bebida alcoólica apenas até as 20h. Mas você pode comprar garrafa de vinho, destilado ou combo de cerveja até esse horário e continuar consumindo até as 22h”. A manobra é permitida? E um bar pode se apresentar como restaurante para continuar na ativa até as 22h? São dúvidas que as autoridades precisam sanar, sob pena de fazerem das novas regras letra morta. Também ontem à noite, o restaurante Fattoria, novo empreendimento do grupo Ráscal, no Conjunto Nacional, não aceitou servir sequer uma taça de vinho depois das 20h. Mas não impediu que dois clientes terminassem com calma, depois do horário limite, os drinques entregues bem antes. Errou?
Em Belo Horizonte, onde a venda de bebidas alcoólicas em restaurantes e bares só estava permitida a partir das 17h, com o intuito de frear a disseminação da covid-19, o cerco aumentou. Desde o dia 7 a proibição vale para o dia todo. Em sua conta no Instagram, o chef Leo Paixão, médico de formação que ganhou fama à frente do Glouton e do programa Mestre do Sabor, da TV Globo, do qual é um dos jurados, protestou.
“Somos o setor mais castigado pela nossa prefeitura. Neste momento em que caminhamos para a lei seca, já sofremos uma série restrições, dentre as mais severas: horário de funcionamento reduzido; espaçamento aumentado e limite de 4 ocupantes por mesa. Justo, pela segurança dos clientes”, começou. “Vamos fazer uma continha. No Glouton tínhamos 110 lugares , hoje tenho 60. Fazia giro 2, hoje faço giro 1.2. Só aí tive uma diminuição de 60% nas vendas. Como 1/3 de nossa venda é de bebida, com a nova medida, nosso encolhimento passa a 75%. Ou seja, temos a possibilidade de vender 25% do que vendíamos antes. Garçons vivem quase só dos 10% deste valor. Imagina como fica”.
“Quanto aos bares, a conta é mais nefasta”, continuou ele, dono também do Nicolau Bar da Esquina. “Infelizmente é inviável funcionar sem bebidas. Assim, a partir da semana que vem fecho, novamente, o Nicolau Bar da Esquina por tempo indeterminado. A abertura do Mina Jazz Bar, que seria 12/12, fica adiada pra algum dia, talvez. Diante do aumento das internações e dos casos de covid, é compreensível que a prefeitura tenha que tomar alguma atitude.”
A conclusão do post, no qual critica o prefeito reeleito Alexandre Kalil, do PSD: “Centro da cidade cheio, ônibus lotados, comércio rodando à mil, véspera de natal. Seria minimamente razoável a prefeitura impor restrições a toda a economia. Contudo, existe um setor mais fraco e desorganizado. Do qual muitos não respeitaram as medidas. Não os julgo, estão tentando sobreviver ao tsunami. Ao invés de fiscalizar e aplicar as medidas cabíveis, a prefeitura optou por punir a todos: certos e errados. Um jato de mangueira em quem está afogando. E o pior: é impossível saber se essa medida surtirá efeito nos casos de covid. Tenho minhas dúvidas (sic)”.
“E assim o setor mais punido da economia leva mais um golpe impiedoso da prefeitura, como se fôssemos os culpados por tudo. Muitos de nós não se levantarão após mais esta queda. Desemprego e miséria resultará desta decisão. A nós, só nos resta torcer e esperar que um lapso de bom senso guie a mente deste prefeito para que não destrua nossa preciosa gastronomia belorizontina”.
Ao que a chef Katia Barbosa, dona do Aconchego Carioca, no Rio de Janeiro, e também jurada do Mestre do Sabor, comentou: “Após ler o seu relato desconcertante e verdadeiro, precisei de alguns minutos pra digerir toda essa loucura! Lei seca é uma loucura, ainda sigo na firme determinação que uma campanha real, verdadeira de conscientização desde o começo da pandemia teria ajudado mais! E também uma fiscalização e multa com quem extrapola o limite também ajudaria. Mas sempre é mais fácil o justo pagar pelo pecador! (sic)”.