O desejo do Brasil de se colocar como mediador em um eventual processo de paz entre a Rússia e a Ucrânia ganhou novo capítulo nessa semana, depois que os chanceleres brasileiro e ucraniano se reuniram durante a Conferência de Segurança de Munique. O evento acontece anualmente, desde 1963 e conta com a participação de políticos de segurança, militares industriais e de defesa de mais de 150 países.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, manteve mais de uma dezena de reuniões bilaterais, nas quais o tema da guerra na região central da Europa foi tratado. Um dos encontros foi justamente com chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança da Ucrânia.
Vieira acertou com Kuleba uma conversa entre o presidente Luíz Inácio Lula da Silva e o presidente ucraniano Volodymir Zelensky, em data que será definida depois do feriado de Carnaval no Brasil, mas antes da visita do ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov, em abril.
Zelensky já havia solicitado a conversa desde a posse de Lula. Na viagem aos Estados Unidos, o presidente brasileiro concedeu entrevista ao canal CNN, onde declarou que “a Rússia cometeu um erro histórico ao promover a invasão do território ucraniano”. Em notas conjuntas com outros países, o Brasil passou a aceitar o fato de que o agressor é o governo de Vladimir Putin, mas a política externa brasileira reforça que isso não significa que o país irá se posicionar unilateralmente a favor dos ucranianos.
O governo de Kiev também sinalizou de forma positiva na concordância do Brasil em assinar uma resolução que será colocada para o voto na Assembleia Geral da ONU na semana que vem, reiterando o apelo pelo fim das hostilidades entre os dois países eslavos.
A resolução marca um ano do conflito que Putin chamou de “Operação Militar Especial” e reforça a condenação contra a invasão. Assim como o Brasil fez em 2022, o Itamaraty deve voltar a dar seu apoio ao texto da ONU, diante das constantes manifestações dos ucranianos para aceitar o pedido de pôr fim às hostilidades.
O conflito entre Rússia e Ucrânia já dura 9 anos, quando a Federação Russa anexou a península da Criméia e iniciou uma campanha separatista na Bacia de Donets (Donbass), onde ficam as cidades de Donetsk e Luhansk. Os combates mantiveram-se no território ucraniano desde 2014 até 2022, opondo as forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk com o governo ucraniano. Em fevereiro de 2022, o governo russo, sob alegação de realizar uma “operação militar especial”, invadiu a Ucrânia ampliando os conflitos que chegaram até a capital Kiev e completam um ano.
Ao contrário do que ocorreu nas primeiras semanas do governo Lula, os interlocutores estrangeiros abandonaram os pedidos ao Brasil por munição para a Ucrânia. Segundo fontes, a comunidade internacional já “precificou” a postura do Itamaraty e sabe que não haverá um envolvimento direto do Brasil na guerra.
Na Conferência de Munique, o chanceler brasileiro Mauro Vieira também se reuniu com chefes da diplomacia da Comunidade Europeia, do Reino Unido e de diversos outros países. Os encontros ocorrem como desdobramentos das conversas do presidente Lula com os líderes da França, Alemanha e EUA sobre a posição brasileira de que deve ser formado um grupo de países sem qualquer envolvimento com o conflito, para servir como mediadores da guerra. O chanceler brasileiro deixou claro que não acredita que nenhum país sozinho conseguirá atuar como mediador.
Para governos estrangeiros, a postura do Brasil de se manter fora do conflito pode ser “útil“, quando a situação entrar num momento de busca pela paz. Mas a percepção é de que isso não ocorrerá neste momento. De ambos os lados, existe uma preparação para novas ofensivas e, portanto, uma chance de paz não deverá ocorrer no curto prazo.
O governo ucraniano trabalha com seus parceiros europeus para que uma proposta de acordo evolua entre os dois países em guerra, dando início a um diálogo de paz. Nesse momento, interlocução do Brasil poderá ser relevante.