Dilma sancionou lei da “presunção de boa-fé” para “esquenta” de ouro ilegal
Proposta do deputado Odair Cunha (PT/MG) diz que basta a palavra do vendedor para atestar a origem do ouro de garimpo
A presunção de “boa-fé” no comércio de ouro passou a valer após a aprovação de projeto de lei proposto pelo deputado federal Odair Cunha do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais em 2013, e sancionado pela ex-presidente Dilma Roussef.
Apontada como determinante para o avanço do garimpo ilegal e agravante da atual crise dos Yanomamis, a presunção da “boa-fé” no comércio de ouro potencializou a exploração do metal precioso em terras indígenas. A nova lei sobre o tema determinou que basta a palavra do vendedor para atestar a origem do ouro de garimpo. O comprador deve presumir que ele diz a verdade, e não será punido se um dia for comprovado o contrário.
Diferentes organismos preocupados com o combate ao garimpo ilegal consideram essa presunção da “boa-fé” o principal instrumento para “esquentar” o ouro ilícito no Brasil, que é um dos maiores desafios enfrentados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início do seu terceiro mandato.
Tramitam no Congresso Nacional e no supremo Tribunal Federal (STF) iniciativas para alterar esta prerrogativa legal, enquanto o deputado Cunha, autor da lei, explica que sua proposta acabou desvirtuada pelo desmonte da fiscalização do setor no governo anterior.
A lei nº 12.844 limita a fiscalização, pelo Banco Central, de instituições financeiras credenciadas que operam com ouro, as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs). Caso ocorra uma investigação que comprove que o ouro saiu de uma reserva ambiental, a punição criminal desses estabelecimentos também ficou restringida. Em ambos casos, a DTVM poderá argumentar que não é obrigada a verificar se o vendedor está mentindo.
Levantamento feito pelo Instituto Escolhas aponta indícios de ilegalidade na venda de mais de 200 toneladas de ouro extraído no país, de 2015 a 2020, amparada pelo instrumento da boa-fé, como relata o economista Marcos Lisboa, no artigo “Uma história de ouro e sangue”, publicado na Folha de S.Paulo.
A emenda apresentada por Cunha sobre o garimpo encontrou respaldo na Medida Provisória 619, aprovada durante o governo Dilma e passou a compor o bloco dos artigos 37 a 41 da lei nº 12.844. No artigo 39, parágrafo 3º determina: “É de responsabilidade do vendedor a veracidade das informações por ele prestadas no ato da compra e venda do ouro.” E segue no parágrafo 4º: “Presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente quando as informações mencionadas neste artigo, prestadas pelo vendedor, estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro”.
Já existe mobilização de parlamentares para revogar a medida. A então deputada Joênia Wapichana apresentou, em agosto do ano passado, o projeto de lei nº 2159/2022 que acaba com a declaração de “boa-fé” e estabelece princípios para a criação de uma rastreabilidade do ouro. Joênia não se reelegeu, mas na atual gestão se tornou a primeira mulher indígena a comandar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Sua proposta segue no parlamento, apensada ao PL-5131/2019.
No Supremo Tribunal Federal (STF) o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e a Rede Sustentabilidade ajuizaram em novembro do ano passado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a comercialização de ouro de garimpo com base na presunção da “boa-fé”. No início de fevereiro deste ano, o Partido Verde (PV) fez o mesmo, requerendo ainda que as DTVMs sejam obrigadas a criarem mecanismos que garantam a origem do ouro.
Nesta terça-feira, 07, o ministro Gilmar Mendes, intimou o Banco Central (BC) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) a prestarem depoimentos sobre a situação do garimpo ilegal na Amazônia.