Senado aprova Lei Paulo Gustavo com R$ 3,8 bilhões para a cultura
O Senado aprovou o projeto de lei complementar (PLP 73/2021) que libera R$ 3,8 bilhões para amenizar os efeitos negativos econômicos e sociais da pandemia de covid-19 no setor cultural. O projeto, apresentado pelo líder do PT na Casa, senador Paulo Rocha (PA), e subscrito por outros senadores, foi aprovado na forma de um substitutivo (texto alternativo) do relator da matéria, senador Eduardo Gomes (MDB-TO). Foram 68 votos a favor e 5 contra. Agora, o projeto segue para análise da Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei Complementar 73, de 2021, que altera a Lei Aldir Blanc, é da autoria conjunta dos senadores Paulo Rocha, Paulo Paim, Jean Paul Prates, Rogério Carvalho, Humberto Costa, Jaques Wagner e das senadoras Rose de Freitas, Zenaide Maia e outros.
O Projeto de Lei Complementar 73, de 2021, é da autoria conjunta dos senadores Paulo Rocha, Paulo Paim, Jean Paul Prates, Rogério Carvalho, Humberto Costa, Jaques Wagner e das senadoras Rose de Freitas, Zenaide Maia e outros. Ressaltam os autores da matéria que o setor cultural foi o primeiro a parar em decorrência da atual pandemia e, possivelmente, será o último a voltar a operar. Daí a necessidade de continuar a ajuda, iniciada em 2020 pela Lei Aldir Blanc, aos artistas, aos criadores de conteúdo e às empresas que, juntos, compõem uma cadeia econômica equivalente a 2,67% do Produto Interno Bruto e que são responsáveis por cerca de 5,8% do total de ocupados no país, cerca de 6 milhões de pessoas. Também é digno de nota enfatizar que a lei complementar resultante da aprovação do PLP homenageará o artista Paulo Gustavo Amaral Monteiro de Barros, vítima de covid-19, que foi um exemplo de talento, alegria, solidariedade ao próximo e aos mais necessitados — disse o relator, que é o líder do governo no
Críticas
Já o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), foram contra a aprovação da proposta. Bezerra disse que estados e municípios ainda têm saldo de R$ 628 milhões dos R$ 3 bilhões liberados pela Lei Aldir Blanc.
“Só para se ter uma ideia, a Lei Aldir Blanc já tem compromissos da ordem de R$ 3 bilhões. Sem a Lei de Audiovisual e sem a Lei Rouanet, já temos R$ 1,4 bilhão. Também é importante destacar a linha de crédito emergencial, no valor de R$ 400 milhões. No Programa Especial de Apoio ao Pequeno Exibidor, nós temos mais R$ 8,5 milhões. E, de planos já aprovados ou por meio de isenção da Lei Rouanet, nós temos mais R$2,5 bilhões”, afirmou Bezerra.
Para ele, haverá dificuldades para a execução dessa nova lei. Bezerra afirma que a Constituição não permite a utilização do superávit financeiro das fontes de recurso do Fundo Nacional de Cultura (FNC) em finalidade diversa à permitida pela Emenda Constitucional 109.
Flávio Bolsonaro concordou com a avaliação de que o PLP seria inconstitucional. “Então, presidente, tanto no mérito quanto na forma, é um projeto inconstitucional, que esvazia a Secretaria Especial de Cultura, a qual tem feito um grande trabalho com o secretário Mario Frias à sua frente, revolucionando, dando transparência e fazendo com que os recursos cheguem a artistas, à classe cultural, àqueles que realmente precisam, não àqueles já são afortunados, àqueles que sempre foram atendidos pelos governos passados, sem nenhum critério, apenas na base do compadrio”, disse Flávio Bolsonaro.
A proposta
O projeto determina que o montante de R$ 3,862 bilhões virá do atual superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura. A União terá de enviar esse dinheiro a estados, Distrito Federal e municípios para que seja aplicado “em ações emergenciais que visem combater e mitigar os efeitos da pandemia de covid-19 sobre o setor cultural”. Caso o projeto vire lei, o dinheiro terá que ser liberado por meio de medida provisória a ser editada pela Presidência da República.
Desse total (R$ 3,862 bilhões), R$ 2,797 bilhões serão destinados exclusivamente a ações voltadas ao setor audiovisual, no apoio a produções audiovisuais, salas de cinema, cineclubes, mostras, festivais e ações de capacitação.
Isso porque, conforme apresentada no projeto, esses quase R$ 2,8 bilhões se referem a fontes de recursos que foram alocados originalmente no chamado Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que é uma categoria de programação específica do Fundo Nacional de Cultura e seus recursos são oriundos basicamente da cobrança da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), cobrada da própria cadeia econômica do audiovisual.
Contingenciamento
O projeto foi aprovado na forma de um substitutivo apresentado pelo relator da matéria, senador Eduardo Gomes (MDB-TO). Uma das principais mudanças promovidas pelo substitutivo foi a retirada de dispositivos que alteravam a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Rouanet para proibir e limitar o empenho ou a execução orçamentária dos recursos do Fundo Nacional de Cultura. A vedação aos contingenciamentos, segundo o relator, foge ao objeto principal da matéria, que é a concessão de ajuda emergencial ao setor cultural em 2021 e 2022.
O texto original exclui da meta de resultado primário de 2021 as transferências federais aos entes subnacionais para o enfrentamento da pandemia e suas consequências sanitárias no setor cultural. No substitutivo, Eduardo Gomes estendeu essa regra para qualquer exercício financeiro (qualquer ano) para a mitigação dos efeitos sociais e econômicos no setor cultural decorrentes de calamidades públicas ou pandemias, desde que a transferência exceda os valores iniciais do orçamento aprovado.
Audiovisual
Dos R$ 2,797 bilhões destinados ao setor audiovisual, o texto original previa uma divisão de 65% dos recursos para estados e Distrito Federal, e 35% para capitais e municípios com mais de 200 mil habitantes. Essa distribuição foi alterada pelo relator, que determinou um valor a ser aplicado em diferentes áreas do audiovisual.
O apoio a produções audiovisuais, de forma exclusiva ou em complemento a outras formas de financiamento, ficará com R$ 1,957 bilhão. Outros R$ 447,5 milhões serão destinados ao apoio a reformas, restauros, manutenção e funcionamento de salas de cinema públicas e privadas, incluindo a adequação a protocolos sanitários relativos à pandemia da covid-19. A terceira parte, de R$ 224,7 milhões, será empregada em capacitação no audiovisual, além de ações como apoio a festivais e mostras, preservação e digitalização de obras ou acervos e apoio a publicações especializadas e pesquisas.
Nessas três áreas citadas, a divisão será feita da seguinte maneira: a metade fica com os estados e o Distrito Federal e a outra metade vai ser distribuída para municípios e também para o Distrito Federal. A distribuição entre estados ou entre municípios será feita de acordo com critérios dos fundos de participação (FPE ou FPM) para 20% dos recursos, e para os 80% restantes a divisão será feita proporcionalmente à população dos entes.
Uma quarta parte dos recursos (R$ 167,8 milhões), de acordo com o substitutivo, será destinada apenas a estados e ao Distrito Federal para apoio às pequenas e microempresas do setor audiovisual, aos serviços independentes de vídeo por demanda cujo catálogo de obras tenha pelo menos 70% de produções nacionais. O dinheiro também poderá ser aplicado no licenciamento de produções nacionais para exibição em TVs públicas e na distribuição de produções audiovisuais nacionais.
Editais
O restante do total de R$ 3,8 bilhões, R$ 1,065 bilhão, será destinado a ações emergenciais atendidas pelo FNC em outras áreas da cultura. São editais, chamadas públicas e outras formas de seleção pública para apoio a projetos e iniciativas culturais, inclusive a manutenção de espaços culturais. Metade irá para estados e Distrito Federal e a outra para municípios e Distrito Federal.
O texto do relator citou especificamente atividades que podem ser incluídas nos editais, mas deixou claro que a lista não exclui outras. Na lista estão, por exemplo, artes visuais, música, teatro, dança, circo, livros, arte digital, artes clássicas, artesanato, dança, cultura hip hop e funk, expressões artísticas culturais afro-brasileiras, culturas dos povos indígenas e nômades e de quilombolas, coletivos culturais não-formalizados, carnaval, escolas de samba, blocos e bandas carnavalescos.
O substitutivo incluiu a possibilidade de que os entes federados escolham a que recursos pretendem ter acesso (audiovisual, outras áreas da cultura ou ambos) e também a permissão para que os municípios possam se consorciar para o recebimento de recursos.
“De um lado, isso evita que municípios pouco populosos, mas com relevante realização de filmagens e festivais, caso de Gramado no estado do Rio Grande do Sul, fiquem de fora do rateio dos recursos do audiovisual. De outro lado, permite que os municípios com características locais partilhadas com outros municípios vizinhos recebam os recursos e os executem via consórcio, com desejável ganho de escala”, explicou o relator.
Lei Aldir Blanc
A inspiração para o PLP veio da Lei Aldir Blanc (Lei 14.017, de 2020), que socorreu emergencialmente o setor cultural paralisado pela pandemia no ano passado. Para os autores do PLP, essa lei “foi um alento ao setor cultural, permitindo que muitas pessoas, artistas, criadores, empresas e cadeias econômicas inteiras não sucumbissem permanentemente ao fechamento súbito de todas as atividades culturais devido à pandemia”. A bancada do PT acrescenta que a Lei Aldir Blanc foi fundamental para a cultura no segundo semestre de 2020, mas ressalta que a pandemia ainda não acabou.
De acordo com o texto aprovado, todos os entes federados que receberem recursos deverão “se comprometer a fortalecer os sistemas estaduais e municipais de cultura existentes ou implantá-los nos entes da federação onde não houver os referidos sistemas, instituindo conselhos, planos e fundos estaduais e municipais de cultura”. O projeto previa o prazo de um ano para que isso ocorresse, mas essa exigência foi retirada pelo relator em seu substitutivo. O texto também prevê que terão de promover debate e consulta junto à comunidade cultural e à sociedade civil sobre parâmetros de regulamentos, editais e qualquer forma de seleção pública relativa aos recursos. Isso poderá ser feito por meio de conselhos de cultura, fóruns direcionados às diferentes linguagens artísticas ou audiências públicas, além de outros meios incluídos no substitutivo, como reuniões técnicas, sessões públicas presenciais e consultas públicas, desde que sejam observadas medidas de transparência e impessoalidade. Os resultados dessas discussões deverão ser observados na elaboração dos instrumentos de seleção.
O texto também obriga os entes federados a assegurar mecanismos de estímulo à participação e ao protagonismo de mulheres, negros, indígenas, povos tradicionais, inclusive de terreiros e quilombolas, populações nômades, pessoas do segmento LGBTQIA+, pessoas com deficiência e de outras minorias. Isso pode ser feito, segundo o substitutivo, por meio de cotas, critérios diferenciados de pontuação, editais específicos ou outras ações afirmativas.
Contrapartidas
O projeto determinava contrapartidas financeiras dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, mas essa exigência ficou de fora do substitutivo. Os percentuais das contrapartidas, que foram retirados do texto, eram de 5% do valor recebido para estados e Distrito Federal e variavam entre 1% e 3% para municípios, de acordo com o número de habitantes.
“É preciso afastar a necessidade de contrapartida financeira, dado que mormente os municípios estão com as receitas afetadas e não têm condições de dispor de recursos extras para tal finalidade, o que pode até mesmo prejudicar a execução da lei”, explicou o relator.
Além disso, havia contrapartidas sociais que deveriam ser cumpridas pelos beneficiários do setor audiovisual. O detalhamento dessas obrigações foi retirado no substitutivo do relator. O novo texto prevê que a contrapartida social deve ser pactuada pelo gestor de cultura de cada ente, incluindo obrigatoriamente exibições gratuitas dos conteúdos selecionados e assegurando acessibilidade de grupos com restrições, além do direcionamento para a rede de ensino da localidade. Foi mantida no texto a obrigação das salas de cinema de exibir obras nacionais 10% acima do mínimo vigente.
Para os beneficiados com os recursos fora da área de audiovisual, ou seja, as demais ações emergenciais atendidas pelo FNC, as contrapartidas foram mantidas no texto e incluem atividades destinadas prioritariamente a alunos e professores de escolas públicas e universidades públicas ou privadas com estudantes do Prouni, além de integrantes de grupos e coletivos culturais e de associações comunitárias.
O substitutivo incluiu entre esses públicos prioritários os profissionais de saúde envolvidos no combate à pandemia. Sempre que possível, devem ser feitas exibições com interação popular via internet ou exibições públicas com distribuição gratuita de ingressos para os grupos prioritários.
Essas contrapartidas, tanto para o setor audiovisual quanto para os beneficiados por meio de editais do FNC, terão que ocorrer em prazo determinado pelo ente da federação, de acordo com a situação epidemiológica e as medidas de controle da covid-19. No texto original, o prazo para as contrapartidas era de 180 dias.
Regras
O substitutivo proíbe estados, o Distrito Federal e municípios de efetuar repasses dos recursos para beneficiários de ações emergenciais previstas no auxílio de 2020 (Lei Aldir Blanc). A intenção, segundo o texto, é evitar duplicidade de ajuda financeira nos mesmos meses de competência.
O substitutivo incluiu várias regras para a prestação de contas dos recursos recebidos. Essas informações podem ser fornecidas de três maneiras: in loco (quando o apoio recebido tiver valor inferior a R$ 200 mil); em relatório de execução do objeto; ou em relatório de execução financeira. A intenção, segundo o relator, é criar um padrão formal para a prestação de contas. Cada modalidade de prestação tem regras diferentes, detalhadas no texto, e a reprovação das contas pode fazer com que o beneficiário tenha que devolver recursos ao erário ou apresentar plano de ações compensatórias.
Apoios
O PLP 73/2021 foi apresentado no Senado em 10 de maio. Desde então, foram recebidas quatro cartas de apoio à aprovação do projeto, enviadas pela Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), por vereadores da Câmara Municipal de Arroio Grande (RS), por vereadores da Câmara Municipal de Araraquara (SP) e pelo Colegiado Setorial de Circo do Rio Grande do Sul.