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Crise e dólar em alta tiram comida da mesa dos venezuelanos


Com informações do R7

O mototaxista Fernando Berroterán trabalha cerca de doze horas por dia, de segunda à segunda, chova ou faça sol. Não que ele queira, mas a alta de preços de mais de 570% do início do ano até agora não o permite descansar. Ele é apenas um dos mais de 28 milhões de habitantes do país que sofrem com o empobrecimento do país.

De acordo com a ENCOVI, pesquisa que mede a condição de vida no país, 94% da população da Venezuela é pobre. Desesperançado, ele não pretende votar neste domingo.

“Há cinco anos perdi capacidade de compra. Percebo que cada dia a situação econômica está mais estagnada”, conta ele que há 19 anos trabalha por conta própria nas imediações do principal shopping de Caracas.

Ele ganha entre U$15 e US$ 30 (de R$ 83 a R$ 166) por semana transportando passageiros, entregando documentos ou revendendo queijo. Assim consegue comprar a comida do dia a dia.

“Tenho a sorte de ter uma casinha própria. Se não fosse por isso, nem sei como faria. O dinheiro não dá para nada”, explica este homem que os 56 anos sonha em se aposentar mas “parar de trabalhar não é uma opção”.

A situação de Fernando representa a vida de muitas pessoas no país. De acordo com ENCOVI, o número de trabalhadores informais passou de 31% em 2014 para 52% em 2021.
Motivados pela escassez de dados oficias, professores e pesquisadores da Universidade Católica Andrés Bello desde 2014 divulgaram a ENCOVI, a principal e mais profunda análise da situação econômico-social da Venezuela.

De acordo com o Observatório Venezuelano de Finanças, ligado à gestão do opositor Juan Guaidó, de janeiro a outubro deste ano a Venezuela acumula uma inflação de 576%. Mês passado os preços subiram 8,1%.

A perda do poder de compra diário da moeda venezuelana incentivou a migração da economia formal para a informal. Apenas 40% da população tem vínculo empregatício. O desemprego atinge cerca de oito milhões de venezuelanos.

Algumas vezes o salário oferecido pelas empresas não cobre o custo de transporte público e, em vez de pagar para trabalhar, o cidadão acaba recorrendo ao mercado informal.

Em Caracas a passagem de ônibus custa um bolívar. Com o salário mínimo venezuelano (de dez bolívares) é possível fazer apenas cinco vezes o trajeto casa-trabalho.

“Há 20 anos a Venezuela era o país mais próspero da região, e agora chegamos a um quadrante negativo (nos indicadores econômicos). Isso indica que os salários estão sob o mínimo da dependência. A população depende das bolsas CLAP”, relata a economista e professora universitária Zugem Chamas.

Grande parte da população venezuelana depende das bolsas de comida subsidiadas pelo Estado para poder comer.

Os inscritos nos programas estatais pagam 2,5 bolívares (cerca de R$2,75) para receber pelo menos uma vez por mês a cesta composta basicamente por carboidratos. Embora seja barata, quem ganha um salário mínimo, atualmente em Bs10 (R$ 11) não consegue se manter. Uma caixa de ovos varia entre seis e dez bolívares. Já o quilo da carne é proibitivo ao bolso de grande parte da situação.

O Centro de Documentação e Análise Social (Cendas) divulgou que uma família de cinco pessoas precisava de U$ 400 (cerca de R$ 2.200) para comprar a cesta básica de alimentos em outubro deste ano.

“Tudo é cobrado em dólares. Isso é contraditório porque o salário do venezuelano é baseado em bolívares”, ressalta a economista.

De acordo com a empresa de análises econômicas Ecoanalítica, na Venezuela circulam seis vezes mais dólares que a própria moeda nacional, o bolívar.

A dolarização de fato do país começou no final de 2018, mesmo período em que chegava ao fim o longo período de escassez, iniciado em 2013, que marcou a história econômica contemporânea da Venezuela.

Hoje em dia nas gôndolas dos supermercados venezuelanos abundam produtos de várias partes do mundo – do Brasil, inclusive. Agora o problema é conseguir comprar.

Maioria das famílias precisa recorrer a cestas subsidiadas pelo governo venezuelano

Até julho deste ano Romana Fuentes, de 68 anos, trabalhava em uma empresa onde ganhava U$ 50 por mês (cerca de R$ 275). Agora sem emprego, Fuentes recebe apenas a pensão – benefício pago pelo Estado aos maiores de 56 anos – e recebe ajuda de familiares.

“Imagina ganhar a pensão ou a aposentadoria, que vale sete bolívares (por volta de R$ 8,25)?. O décimo terceiro salário deste ano foi de 14 bolívares”, relata a economista Zugem Chamas.

A proprietária do local onde Romana trabalhava decidiu fechar o estabelecimento e engrossar o êxodo de mais de seis milhões de venezuelanos, de acordo com estimativas de Organização das Nações Unidas, que abandonaram o país em busca de melhores condições de vida.

Os filhos do mototaxista Fernando também estão nesse grupo. A filha está no México, onde diz “estar bem”, embora o pai acredite que ela dê essa resposta para ele não se preocupar. Já o filho “está no sul do Brasil trabalhando na construção civil”.

Medo de adoecer

Há poucas semanas Fernando ficou gripado. Recorreu a chás naturais para melhorar. Não surtiu efeito. Sem poder trabalhar por causa da doença, pegou 20 dólares emprestado para comprar remédio. “Agora estou endividado e tenho que trabalhar para pagar a ajuda que recebi”.

Ficar doente é o medo de muitos venezuelanos. Não apenas pelos altos preços dos remédios, bastante superiores ao valor do salário mínimo, mas também pela crítica situação dos hospitais públicos do país. Uma consulta em um hospital particular custa, mínimo, U$ 20 (cerca de R$110).

Pelas redes sociais do país circulam inúmeras campanhas de arrecadação de dinheiro para que pessoas com diversos problemas de saúde consigam fazer seus tratamentos.
“O panorama é desolador”, descreve a economista Chamas.

Nem mesmo o corte de seis zeros na moeda venezuelana, em outubro deste ano, fez a população voltar a se interessar pelo dinheiro local.

“A corrida mínima, percorrendo cerca de três quilômetros, custa três dólares. Prefiro receber em verdinhas. Nossa moeda não vale nada”, confessa Fernando.

Pelas ruas da capital Caracas é comum ver notas de bolívar rasgadas ou jogadas no lixo.
É no lixo que o também autônomo Manuel González, de 45 anos, consegue seu ganha pão. Há três anos ele busca nos dejetos artigos para vender a empresas de reciclagem. Desta maneira, por dia, ele consegue receber entre três a cinco dólares – mais que o salário mínimo.

Questionado se vai votar nas eleições deste domingo, González diz que prefere trabalhar porque “os governos passam, mas a fome fica”.




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