Segundo o jurista Ives Gandra Martins “o que está escrito na lei não é exatamente o que é aplicado”
Na tarde desta sexta-feira, 19, a Câmara está reunida para decidir o futuro do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes após divulgar vídeo em que critica os integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para o jurista Ives Gandra Martins, a fala de Silveira é “absolutamente inaceitável” e o deputado deve ser punido, mas ele diverge da forma como o Supremo agiu. “Para não ferir a Constituição, teria de ter sido adotado um caminho diferente.”
1 — Qual sua avaliação sobre o caso envolvendo o deputado Daniel Silveira?
O deputado é alguém que não honra seu mandato. Há um descompasso mental na forma como ele falou, como atacou, como desconhece a Constituição. É absolutamente inaceitável o que disse o deputado. Não tenho dúvida de que esse sujeito deve ser punido. Primeiramente, quero registrar que admiro profundamente os ministros do Supremo, e o ministro Alexandre, que foi o relator, é um dos autores mais lidos em direito constitucional. Já escrevemos livros juntos. Mas não concordo com a forma como o caso foi conduzido. Para não ferir a Constituição, teria de ter sido adotado um caminho diferente. O Supremo deveria comunicar o fato ao Congresso e pedir a punição do deputado, respeitando o que diz o artigo 53 da Constituição Federal.
2 — Mas ele poderia ser punido com a prisão?
Aí eu esbarro na interpretação do artigo 53 da Constituição Federal, que diz que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Não vejo como um cidadão, em sendo deputado, por maiores absurdos que venha a dizer, possa ser preso. Ora, as mais absurdas declarações estão dentro do “quaisquer” previsto em lei.
3 — Se a Constituição diz que são “invioláveis quaisquer opiniões e palavras dos deputados”, o que embasou juridicamente a prisão de Daniel Silveira?
Os ministros condenaram com base na Lei de Segurança Nacional [Lei 7170/83]. Não aplicaram a Constituição Federal, mas uma lei oriunda do regime militar. E mais, outro ponto importante: quem é a parte que acusou o deputado? É o Supremo. Então o Supremo foi parte acusatória e decisória.
4 — Existiu situação de flagrante no crime de que o deputado foi acusado?
Flagrante é algo que vejo no momento — surpreendo um sujeito roubando e dou um flagrante no ato, por exemplo. Agora, como posso considerar flagrante permanente um vídeo? Daqui a um ano, esse vídeo pode estar rodando; então a figura do flagrante desaparece. Juridicamente, criar a figura do flagrante permanente, como no caso do deputado, é um precedente perigosíssimo e me preocupa.
5 — Houve invasão de competência do Poder Judiciário no Legislativo?
Sim, de longe. Se a Constituição diz uma coisa e o Supremo decide de forma diferente da Constituição, não é uma interpretação. Porque, no artigo constitucional, onde está escrito “quaisquer” manifestações, o Supremo diz: “quaisquer manifestações menos aquelas com que nós não concordamos”. Tenho 86 anos, 63 anos de advocacia. Tenho a impressão de que cada vez mais tenho de aprender o Direito. Porque o que está escrito na lei não é exatamente o que é aplicado.
O jurista foi entrevistado pela Oeste.