Congresso pode votar em 2021 projeto pró-armas que completa “trinca” do setor
Os novos presidentes de Câmara dos Deputados e Senado poderão colocar em pauta nas casas ao longo deste ano um projeto que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) havia definido como uma de suas prioridades para 2020: a proposta que amplia o número de categorias de servidores públicos com direito a porte de armas.
A iniciativa fecha uma “trinca” de legislações para a flexibilização do controle do acesso a armas ao lado de duas proposições que foram aprovadas ainda em 2019. Uma deu novas regras e permitiu mais acesso a armas aos caçadores, atiradores esportivos e colecionadores, os CACs. A outra determinou que o produtor rural que tenha posse de arma pode portar o equipamento em toda a extensão de sua propriedade, e não apenas na sede, como a legislação especificava anteriormente.
A proposta que ainda não foi apreciada, denominada Projeto de Lei (PL) 6.438, chegou ao Congresso no fim de 2019 e determina que membros de diversas categorias do serviço público poderão comprar até dez armas de fogo de uso permitido ou restrito. A relação das categorias contempladas com a iniciativa inclui advogados públicos, agentes de trânsito, guardas municipais, auditores fiscais e outros, segundo informações da Gazeta do Povo.
Os novos parâmetros para o acesso a armas foram mencionados pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), como uma das prioridades do Planalto no Legislativo para 2021. O antecessor de Barros na liderança, Vitor Hugo (PSL-GO), havia colocado o PL 6.438 como uma meta ainda para o segundo semestre de 2019.
Projeto foi elaborado por Sergio Moro
O PL 6.438 foi elaborado pelo ministro da Secretaria de Governo, Jorge Oliveira, e pelo ex-titular da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Na justificativa da proposta, Oliveira e Moro dizem que a iniciativa “aprimora os meios disponíveis para defesa da vida” e “manifesta e exterioriza os anseios da sociedade brasileira contemporânea, ávida por maior liberdade para exercício da autotutela da vida e de outros bens jurídicos caros à existência”.
A ampliação do acesso a armas pela população é uma das bandeiras históricas de Bolsonaro e esteve entre as propostas de sua campanha presidencial em 2018.
Mas a apresentação do PL 6.438 foi resultado de um acordo entre governo e parlamentares para permitir a aprovação da legislação sobre CACs, que ocorreu em novembro do ano passado. Na ocasião, os deputados concordaram em retirar alguns trechos da norma que ampliavam o acesso a armas a diferentes categorias e transferiram esses pontos para outra proposta.
Oposicionistas e defensores do governo Bolsonaro celebraram o acordo como a decisão possível, resultado de concessões feitas por ambos os lados.
Resistência atual vem da esquerda… e de Maia
Para que o governo e o bolsonaristas consigam aprovar o PL 6.438 precisarão superar a resistência dos integrantes da esquerda, que já mostraram contrariedade à iniciativa.
“O PL 6.438 é muito ruim. Ele permite que uma série de profissionais, como auditores fiscais, auditores do trabalho e oficiais de justiça, por exemplo, comprem até dez armas de uso permitido ou restrito, além de munições. Isso é grave e não colabora em nada com a redução da violência. Qual o interesse da sociedade em permitir que essas categorias comprem até dez armas de uso restrito e munição?”, declarou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Segundo o parlamentar, metade das armas que são apreendidas com criminosos são equipamentos que foram adquiridos por outras pessoas de forma legal e acabaram desviados. “Essa mistura de ampliação da oferta e destruição de diversos mecanismos legais de marcação, que permitem controlar, monitorar e rastrear armamentos e munições, vai facilitar desvios; dificultar investigações deste tipo de crime e fortalecer o mercado clandestino, beneficiando criminosos”, acrescentou.
Mas não é apenas a esquerda que se opõe à iniciativa. A discussão sobre o acesso a armas acabou por se integrar na corrida eleitoral da Câmara, que escolherá em fevereiro o sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ). O atual presidente falou, no dia 9 de dezembro, que o governo quer fazer o comandante da casa para ter avanços nas pautas sobre armamentos.
“O governo está, de uma vez por todas, interessado em flexibilizar a venda e a entrega de armas neste país, entre outras agendas que desrespeitam a sociedade brasileira e as minorias. Infelizmente, pouca prioridade naquilo que é fundamental”, disse. O candidato do governo na disputa é Arthur Lira (PP-AL), que tem como principal adversário Baleia Rossi (MDB-SP), nome apoiado por Maia e pela oposição.
Entre deputados favoráveis à diminuição de restrições ao acesso a armas, a expectativa é de confiança na aprovação em 2021. “A bancada da segurança é extremamente forte”, declarou Capitão Augusto (PL-SP), coordenador da chamada “bancada da bala”. Segundo o deputado, a aprovação dos dois projetos sobre o tema em 2019 indica que o ambiente na Câmara hoje é bem mais favorável ao tema do que o que se identificou em legislaturas anteriores.
Outras propostas para as armas
As armas são temas de outros projetos ainda em fase inicial de tramitação e com pouca probabilidade de serem votados nos próximos meses, mas que podem aparecer nas discussões sobre o assunto no parlamento.
Uma proposição de Alencar Santana Braga (PT-SP) visa criminalizar a “exibição ostensiva” de armas de fogo na internet. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) propôs que o uso de álcool e drogas possa fazer com que o detentor de porte de armas perca o direito por 10 anos.
Já o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) é autor de uma iniciativa que dá tratamento tributário igual a empresas brasileiras e estrangeiras que atuam no setor. Segundo a iniciativa, hoje a incidência de impostos sobre as empresas nacionais é superior, o que reduz a competitividade das companhias brasileiras.
A tributação sobre as armas entrou em foco nos últimos dias após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubar decisão do governo que zerava impostos para a importação de pistolas e revólveres. O magistrado aceitou ação do PSB que alegou que a renúncia fiscal comprometia o caixa do país e estimulava o armamento da população.