OAB vai ao STF por compra de vacinas independente de registro na Anvisa
O Conselho Federal da OAB prepara uma ação para pedir que o Supremo Tribunal Federal autorize a compra e o fornecimento de vacinas contra a Covid-19 desde que já tenham registro em “renomadas agências de regulação no exterior” e independente de aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A ADPF deve ser ajuizada ainda na manhã desta quarta-feira (9/12).
A questão central está nos próximos meses. Mesmo com a chegada da vacina no Brasil em janeiro, a imunização da população só vai começar depois que houver o registro das vacinas na Anvisa — mesmo que o imunizante já tenha sido aprovado por entidades sanitárias internacionais. Conforme as declarações do Ministério, a previsão é de isso aconteça no final de fevereiro, de forma que o plano de vacinação ficará para março de 2021.
A demora na organização para a imunização em massa e a exigência de análise da Anvisa, segundo a OAB, coloca em risco de lesão o direito à saúde, a saúde pública, a integridade física dos cidadãos e o direito humano e fundamental à vida.
Os advogados destacam que, embora haja quatro tipos diferentes de imunizantes em fases de teste no país, o governo ainda não apresentou o plano nacional de imunização contra a doença. A OAB também cita as diversas reportagens publicadas nos últimos dias que narram a falta de estoque de seringas, o vencimento de testes e a preocupação constante de agentes da saúde e da indústria com a ausência de diretrizes sobre um cronograma de produção em larga escala.
A peça será assinada pelo presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, e Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da comissão nacional de estudos constitucionais. Eles também pedem que o STF destine dinheiro do fundo da “lava jato” e do fundo dos serviços de telecomunicações (FUST) para o plano nacional de imunização contra o coronavírus.
Ações
Nesta terça-feira (8/12), o governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB) já havia ajuizado ação com o mesmo objetivo; ele pede a permissão de adquirir vacinas autorizadas por agências sanitárias internacionais. E também que a ação seja distribuída para o ministro Ricardo Lewandowski, por prevenção.
O ministro é relator de duas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs 754 e 756) que tratam da compra de vacinas — e serão analisadas pelo Plenário em 16 de dezembro. Nelas, Lewandowski votou para determinar que o Governo Federal apresente, em 30 dias, um plano detalhado de vacinação contra a doença.
A corte também vai analisar duas ações diretas de inconstitucionalidade que tratam da obrigatoriedade de vacinação contra a Covid-19. A previsão é de que a sessão seja virtual, com início em 11 de dezembro e término em 18 de dezembro. Vale registrar que o presidente Jair Bolsonaro declarou, em suas redes sociais, que o governo vai oferecer a vacina para toda a população “de forma gratuita e não obrigatória”.
Repercussão
O advogado José Roberto Cortez, sócio fundador da banca Cortez Advogados, entende que “é de imposição moral e merecedora de total apoio” a iniciativa do Conselho Federal da OAB. “Como bem ressalta a OAB na peça inicial, há dispositivo legal, desde maio último, autorizando em caso excepcional a utilização do medicamento desde que, se não reconhecido no Brasil, tenha sido por órgão acreditado no exterior”, enfatiza.
A advogada constitucionalista Vera Chemim vai na mesma linha. “Tais pedidos são justificados em face da flagrante omissão e atraso das autoridades federais competentes em planejar e executar ações voltadas para a prevenção contra o coronavírus, como, principalmente, em elaborar um plano nacional de imunização efetiva da população”, argumenta.
Sobre o pedido de financiamento do plano de imunização com os recursos arrecadados pela “lava jato”, ela entende que serão, sim, destinados para este fim, conforme já se decidiu no próprio Tribunal em passado recente.
Para o especialista em Direito Administrativo Marcus Vinicius Macedo Pessanha, do Nelson Wilians Advogados, o controle judicial das políticas públicas de saúde é uma tendência cada vez mais presente, em especial diante do cenário de expansão da quantidade de infectados e mortos pela Covid-19. “O estabelecimento de um plano de vacinação com previsão de datas, abrangência geográfica e quantitativos a serem atendidos deve ser disponibilizado à população como manifestação efetiva dos direitos e garantias fundamentais coletivos mais básicos”, destaca.
O advogado constitucionalista Adib Abdouni considera que “os sólidos fundamentos contidos na petição inicial da OAB autorizam, diante da importância da matéria e da emergência de saúde pública decorrente do surto do novo coronavírus, que se adote, no julgamento da causa, o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1990, com intimação para prestação urgente de informações e remessa direta ao Plenário do STF”.
Já para Saulo Stefanone Alle, do Peixoto & Cury Advogados, a ADPF é o instrumento constitucional próprio para discussão judicial sobre omissões e abusividade na implementação de políticas públicas e, por isso, é tecnicamente cabível no caso concreto. “O debate em torno da velocidade e das iniciativas do governo em matéria tão importante para a sociedade precisa ser enfrentado, de modo técnico e sério, inclusive para amadurecimento da democracia e do Estado de Direito”, conclui.