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Senadores estudam aprimorar lei para facilitar identificação de autores de cyberbullying


Mesmo antes de a pandemia fechar as salas de aula da maioria das escolas, as agressões e humilhações entre crianças e adolescentes na internet já eram um problema. Com as forçadas aulas on-line e o aumento das horas em frente às telas de computadores e celulares, a preocupação é com o aumento do cyberbullying.

Nesta sexta-feira (6), data em que o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) completa cinco anos, alguns senadores avaliam que talvez seja a hora de reforçar a lei que o instituiu (Lei 13.185, de 2015) para tentar impedir as recorrentes agressões físicas, verbais, intimidação e humilhação que ultrapassam os portões das escolas. Outros consideram que o caminho é investir em ações de conscientização.

Uma em cada três crianças e adolescentes em 30 países foi vítima de bullying on-line de acordo com uma pesquisa divulgada em 2019 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). No Brasil, 37% dos respondentes afirmaram já ter sido vítima de cyberbullying. As redes sociais foram apontadas como o espaço virtual em que mais ocorrem casos de violência entre jovens no país.

Um levantamento realizado em 2018 pelo instituto de pesquisa Ipsos revelou que o Brasil está em segundo lugar no ranking dos países com mais casos de cyberbullying contra crianças e adolescentes. Três em cada dez pais consultados disseram que seus filhos já sofreram esse tipo de violência. A média global é de 17%.

Ainda não há levantamento no Brasil sobre o problema durante a pandemia, mas uma pesquisa divulgada em setembro em Portugal indica que a violência sistemática nas redes sociais aumentou. Em três meses de confinamento, mais de 60% dos jovens portugueses relataram ter sido vítimas de intimidações e agressões, concluiu o estudo “Cyberbullying em Portugal durante a pandemia da covid-19”.

Se o problema não é novo, as iniciativas legislativas para tentar frear o problema também não são de agora. Sancionada em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff após aprovação do Congresso, a Lei 13.185 caracteriza o bullying como todo ato de “violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.

A norma determinou que escolas, clubes e agremiações recreativas desenvolvam medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying. Três anos depois, deputados e senadores aprovaram uma atualização na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir a responsabilidade das escolas em promover medidas de combate ao bullying, além de pensar em ações de promoção da cultura de paz. Mas será que é chegada a hora de novas mudanças legais?

Para o senador Angelo Coronel (PSD-BA), a resposta é sim. Ele defende o endurecimento da legislação e aponta o projeto de lei de combate às fake news (PL 2.630/2020), do qual foi relator, como uma importante ferramenta para travar o potencial crescimento do cyberbullying. Na avaliação do senador, o anonimato favorece o bullying virtual.

— Além de endurecer a legislação prevendo crimes específicos, especialmente por conta do impacto na vida da vítima e no amplo alcance que um crime na internet pode provocar, é preciso trabalhar em duas frentes muito específicas: educação e identificação do autor. É fundamental identificar os autores dos fatos. Muitos se aproveitam do suposto anonimato que as redes sociais oferecem e, com muito mais covardia, atacam pessoas. No cyberbullying essa realidade se reproduz. O PL 2.630 faz uma série de previsões que buscam assegurar que as redes sociais e serviços de mensagens criem mecanismos de identificação de seus usuários. Com isso, esperamos que seja mais fácil chegar aos autores de mensagens intimidadoras e depreciativas que servem tanto para ofender quanto para perturbar o sossego de pessoas mais vulneráveis — defendeu.

A prática de cyberbullying nunca foi tipificada na legislação brasileira, apesar de ser tema de debate recorrente, com diversos projetos de lei em tramitação nas duas Casas do Congresso. Mas, conforme observam alguns senadores, tanto o bullying quanto o cyberbullying já são passíveis de punição por meio do Código Penal. Em geral, eles são enquadrados como crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria). As punições previstas no código podem chegar a quatro anos de reclusão. Na esfera civil, os agressores podem ser condenados a pagar indenizações por dano moral. Quando o agressor é menor de idade, os seus responsáveis podem ser condenados a pagar indenizações à vítima e à sua família.

— Esse tema merece cada vez mais atenção e precisa estar presente no debate político e no meio jurídico. O bullying é um ato que pode trazer consequências na autoestima de crianças, adolescentes e jovens e no desenvolvimento cognitivo como um todo. O Senado já discutiu propostas no sentido de buscar possíveis soluções para essa prática, mas, para além da aprovação de leis, é necessária uma política pública de Estado que inclua de fato o combate a esse mal tão disseminado nas escolas brasileiras — avaliou o presidente da Comissão de Educação (CE), senador Dário Berger (MDB-SC).

Para a presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senadora Simone Tebet (MDB-MS), a legislação atual é suficiente para punir os agressores. Ela não descarta, contudo, aprimorar o arcabouço legal para facilitar a identificação dos molestadores.

— Eu acredito que a legislação já é boa. Traz a conceituação do que é o bullying e o cyberbullying e estimula medidas preventivas e a realização de campanhas de conscientização no ambiente escolar e social. O problema é imenso porque abarca, também, a forma como temos nos comunicado pelas redes sociais. Xingamentos, agressões gratuitas, injúrias e difamações são cada vez mais comuns na internet, sem falar na imensa difusão de desinformação e fake news. Para o crime difundido no mundo on-line, também já temos leis que permitem a punição. Nestes casos, o caminho é a delegacia e a Justiça. Em relação à legislação, podemos solicitar estudos para aprimorar a lei e buscar formas mais eficazes de identificar e punir aqueles que usam essa ferramenta maravilhosa que é a internet para ferir, humilhar e provocar danos irreparáveis nas vítimas — apontou a senadora.

Simone considera que a chave para o combate a esse tipo de humilhação passa pela informação e por campanhas de conscientização e orientação. Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), além das campanhas, deputados e senadores devem discutir possíveis lacunas na legislação e avaliar o aumento da punição para a violência sistemática nas redes sociais.

— O avanço na lei será sempre necessário, pois temos que aperfeiçoar a legislação quando se trata de assuntos que envolvam a proteção das pessoas, principalmente quando se trata de crianças e adolescentes. Apesar de o bullying e do cyberbullying serem passíveis de punição pelo Código Penal, acredito que podemos intensificar ainda mais esse debate com a sociedade, criando campanhas educativas de conscientização e por último rever as punições já previstas em lei — defendeu.

Distrito Federal

Atentas ao problema, escolas públicas e privadas reforçaram medidas para enfrentar o bullying e o cyberbullying desde a edição das leis. Campanhas educativas, orientação às famílias, capacitação de professores e apoio psicológico estão entre as ações desenvolvidas pela Secretaria de Educação do Distrito Federal para combater e evitar episódios de violência e humilhação entre estudantes.

— A cultura de paz nas escolas da rede pública de ensino tem a importância de garantir um ambiente escolar seguro, promotor do desenvolvimento e das aprendizagens de todos os atores educacionais. Como o foco dessas ações é preventivo, busca-se construir na escola espaços reflexivos que potencializem a cultura de paz e de cidadania — afirmou Ana Karina Braga, diretora de Serviços e Projetos Especiais de Ensino da secretaria.

Segundo o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe/DF), Álvaro Domingues, as escolas têm desenvolvido treinamentos para lidar com o cyberbullying.

— O advento das tecnologias e das redes sociais criou uma nova forma de agressão e de hostilidade que é recorrente nas redes sociais e que por vezes causa prejuízo enorme ao estudante, ao adolescente, à criança, inclusive com implicações na parte pedagógica e na aprendizagem. É muito importante que os gestores, que os coordenadores observem aqueles sinais entre os estudantes, às vezes nem sempre tão aparentes. Existe ali a violência que deve ser combatida, a violência velada, a violência simbólica — apontou.

Antes mesmo do termo bullying se popularizar nos últimos anos, as escolas de Brasília já contavam com programas para prevenir agressões no ambiente escolar segundo o Domingues. Ele aponta que as medidas ganharam força com a legislação aprovada por deputados e senadores.

— A legislação de 2015 criou de maneira institucional programas de acompanhamento e sistematizou esse trabalho de prevenção para essa conduta tão prejudicial ao desempenho dos estudantes e também das escolas — assinalou.

Bullying no Rio de Janeiro

Na quinta-feira (5), véspera do aniversário da lei e primeiro Dia Internacional contra a Violência e o Bullying na Escola definido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mais um caso de bullying virtual ganhou notoriedade e engrossou a triste estatística. Uma menina de 11 anos sofreu ameaças dos colegas da escola através de mensagens em um grupo de WhatsApp, segundo prints feitos pela mãe da garota. As conversas mostram que a vítima era incentivada a se matar. Mãe e filha preferiram não se identificar. O caso é investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, que tenta identificar os participantes do grupo. O Colégio Atenas, que fica na Zona Norte do Rio de Janeiro, lamentou o ocorrido por meio de nota e afirmou que as medidas administrativas e legais serão tomadas.

Cyberbullying: bullying sem limites

O bullying não é novidade, mas a internet potencializou seus efeitos, conforme explicou a psicóloga Patrícia Ramos Branco, mestre em Promoção à Saúde. Segundo ela, fora dos muros das escolas, o bullying praticado por redes sociais pode ser até mais recompensador para os agressores.

— O bullying sempre existiu. Dentro do período pandêmico, as relações que antes eram presenciais, que aconteciam dentro de um espaço de socialização como a escola, acabaram sendo potencializadas na forma virtual. Uma criança que chegava na escola e conseguia fazer uma chacota de um colega, uma piada de um colega e tinha o reforço social, agora consegue fazer isso virtualmente e com uma plateia muito maior. A pessoa que pratica o cyberbullying consegue ter uma projeção muito maior, e isso dá uma sensação muito forte de bem-estar para quem pratica. Ela se sente empoderada. O cyberbullying tem um grande perigo que é a viralização desse comportamento desajustado socialmente — disse.

Para Patrícia Branco, as escolas devem oferecer acolhimento e atenção aos estudantes.

— As escolas têm que ofertar espaços de diálogo com os alunos que passam pela experiência do bullying e espaços para as famílias que são afetadas — assinalou.

Para o senador Angelo Coronel, o projeto de combate às fake news — que aguarda votação na Câmara dos Deputados — também pode contribuir nas ações já desenvolvidas pelas escolas:

— O PL prevê que o valor de multas aplicadas, por exemplo, a provedores de redes sociais que descumprirem a legislação seja revertido para o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica] e aplicados em ações de educação digital. E é importante destacar que a educação digital vai muito além de simples conhecimento de ferramentas tecnológicas, mas passa especialmente pela difusão de valores éticos que permitam a construção de um ambiente socialmente saudável nas redes sociais. Essa ação também deverá oferecer ao indivíduo, especialmente crianças e adolescentes, conhecimento e informações para que possa identificar, se defender ou procurar ajuda nos casos de cyberbullying.

Realengo

No Brasil, o debate sobre bullying ganhou ainda mais destaque por causa da tragédia ocorrida em abril de 2011, em Realengo, Rio de Janeiro, quando um ex-aluno de uma escola assassinou 12 crianças. O autor dos disparos teria sido vítima de bullying na infância. Cinco anos depois, o Senado aprovou projeto que originou a Lei 13.277, de 2016, que instituiu 7 de abril como o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola.

 




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