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Apagão no Amapá: um estado sem ‘força’


Nas ruas de Macapá, no coração do Amapá, um pequeno estado do Norte do país no platô das Guianas, uma frase é recorrente nos últimos quatro dias entre os vizinhos de rua: “Chegou a força por aí?”. A resposta é imediata: “Não, não tem força aqui ainda não”. Embora “força”, na mais conhecida acepção da palavra seja algo que vem de berço forte para quem nasce nesse velho do Brasil, desta vez, “força” é uma simples alusão ao linguajar popular para luz no teto. Há quatro dias, 13 dos 16 municípios do Amapá sofrem com a falta de energia elétrica.

De acordo com fontes oficiais, um incêndio em uma subestação na noite de terça-feira, 3, apagou quase todo o território, atingindo 700 mil habitantes — num total de quase um milhão de pessoas. Nesta sexta-feira, 6, o ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, afirmou que o restabelecimento pode levar até dez dias.

Para além dos discursos oficiais, fato é que o jovem estado — oficializado às rédeas da Constituição de 1988 –, reduto eleitoral do atual presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM), vive um drama real.

Segundo relatos coletados pela equipe da revista Oeste, os moradores estão atônitos nas ruas à procura de energia para recarregar seus telefones celulares — alguns, já esgotaram as próprias baterias dos carros. Leia-se: enquanto as redes sociais, contagiadas pela eleição do maior país do planeta, contavam quantos delegados a Pensilvânia ou a Georgia entregariam para a eleição de Joe Biden ou Donald Trump, um amapaense pedia ajuda ao amigo da padaria. Outros recorreram ao shopping center e até ao aeroporto. As reservas de comida apodrecem a cada dia nas geladeiras sem luz dos que não têm padrinhos.

Pior: a falta de energia provoca também queda de abastecimento de água nas áreas mais periféricas em meio à pandemia do coronavírus.

“Está faltando água em quase todos os bairros de Macapá porque não há energia”, afirmou Joseline Martins, recepcionista do Hotel Amapá, em Macapá, ao repórter da Oeste Artur Piva. Segundo ela, a rede hoteleira registra lotação máxima em função do apagão. Os hóspedes procuraram o estabelecimento porque tem geradores de energia elétrica que asseguram aos que passam pelo check-in contato com o mundo. Mas e na casa de Joseline? “Infelizmente, a comida que ainda sobrou a gente salga para manter”, relatou. “Já a maioria dos alimentos…”

A Força Aérea Brasileira (FAB) fez decolar nesta semana um Hércules C-130 e um KC-390 Millenium para Macapá. Ambos carregavam geradores destinados a assegurar o funcionamento dos hospitais em meio à pandemia do desassossego — o estado registra 751 mortes pela covid ou com covid-19.

“As Forças Armadas transportarão 51 toneladas de materiais que serão utilizados emergencialmente para restabelecer o fornecimento de energia elétrica no estado do Amapá. As aeronaves transportarão máquinas de purificação de óleo e geradores. A missão, que começou nesta sexta-feira, deve terminar no próximo sábado”, informou em nota o Ministério da Defesa.

Mas nenhum dos aviões — e nem poderiam — ergueram voos com toneladas de alimentos, combustível, suprimentos de primeiros socorros e muito menos com empregos.

O Amapá ainda é uma espécie de capitania hereditária dos Sarneys e que, agora, passou para as mãos de David Alcolumbre. Há até quem diga que o Brasil tem jeito, mas o Amapá, não. Aí será possível entender o apagão.

Há duas décadas, o senador maranhense José Sarney, eleito pelo Amapá mais de uma vez, onde mantinha uma residência de veraneio sem uso, publicou algo pela Gráfica do Senado que vai além do seu compilado de poemas Marimbondos de Fogo (obra que, na avaliação de Millôr Fernandes, era “um livro que quando você larga, não consegue mais pegar”).

O documento do Senado, impresso á época com dinheiro público de Brasília pela letra de Sarney, tem 263 páginas versa sobre o estado à procura de luz. Intitula-se: Amapá: “A terra onde o Brasil começa”. Na última linha, eis a síntese no fio do bigode: “O Amapá será um estado forte e pioneiro na Amazônia”. Isso foi escrito há 20 anos. O Amapá segue sem luz.




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